quarta-feira, 22 de julho de 2009


Minha primeira lágrima
caiu dentro dos teus olhos.
Tive medo de a enxugar,
para não saberes que havia caído.



Cecília Meirelles

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Poetas e profetas, por Ricardo Gondim



Qual a diferença entre poetas e profetas?
Nenhuma. Deus é poeta porque gosta de comunicar-se com versos e metáforas. Sua linguagem, carregada de símbolos, é hermética, misteriosa, para o coração cru. Para entendê-lo, precisa-se de ouvidos espirituais, sensíveis ao êxtase transcendental. Quando Deus declama o universo baila.Os olhos de Deus procuram homens e mulheres que se disponham a encarnar seus sentimentos. Todo profeta foi chamado e enviado por Deus. Porque seu compromisso é com a vida, só a vida, Javé levanta homens e mulheres que se indignam com a sordidez, mas apaixonados com o sublime. Portanto, toda linguagem poética é profecia. Sua vocação sangra no texto, a expressão rítmica do coração de Deus vaza na tinta de sua pena. O poeta pressente o que deveria ser, mas não é; vê-se compelido a re-encantar os desanimados, a curar os desesperançados, a destilar beleza de mundos imaginários em terras áridas. A matéria prima do profeta é a poesia. Como um artesão de cristais, o profeta maneja as palavras de maneira simples, mas com delicadeza mágica. Ele deseja mostrar que o cotidiano, com suas contradições perversas, poderia seguir outra estrada. O profeta se despeja no texto como óleo perfumado, faz-se lenho do fogo que aquece a história. Desejoso de trazer os extremos numa síntese que promova o bem, não esquece que o único absoluto é o amor, que o único bem é vida e que o único alvo é a valorização do instante. Poetas e profetas rejeitam redomas, estufas, viveiros, gaiolas. Eles trocam os tapetes pelo chão batido. Solitários, só obedecem o compasso do próprio coração; indomáveis, revoltam-se com o ordinário; irrequietos, perturbam o normal. Poetas e profetas não defendem reputação. Alvos fáceis dos ímpios quando negam a história – só as gerações futuras lhes fazem justiça. Pedras do meio do caminho, chateiam; indestrutíveis, semeiam trigo que se fará o pão do idealista, do revolucionário.Poetas e profetas são contraditórios. Poetas e profetas são alados; vivem nas nuvens, mantêm perene parceria com os anjos; adoram no silêncio das montanhas; escutam a bruma dos vales; agasalham-se sob o manto platinado da lua. Os poetas não temem ausências, a solidão não lhes amedronta. Profetas são selvagens como os tigres e os poetas, enigmáticos como as águias.Poetas e profetas nasceram no pé do arco-íris; resgatados do Nilo, crescem como príncipes; sensíveis, choram com o ponteio da harpa; tornam-se parceiros dos humildes, dos mansos e dos puros de coração. Contudo, o destino deles é a cruz.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Outro mundo


Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim,
todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado,
feito de tijolos e de tempo urbano.
De repente, num dia qualquer,
a rua dá para um outro mundo,
o jardim acaba de nascer,
o muro fatigado se cobre de signos.
Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim:
tanto e tão esmagadoramente reais.
Sua própria realidade compacta nos faz duvidar:
são assim as coisas ou são de outro modo?
Não, isto que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes.
Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim.
E à surpresa segue-se a nostalgia.
Parece que nos recordamos e queríamos voltar para lá,
para esse lugar onde as coisas são sempre assim,
banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer.
Nós também somos de lá.
Um sopro nos golpeia a fronte.
Adivinhamos que somos de outro mundo...


Octávio Paz

terça-feira, 7 de julho de 2009

No Fundo do Olhar


nos olhos a suavidade do mar
em suas noites quentes,
escolhidas a dedo,
pra ser berço…

brisa marinha
(de hálito salgado)
Atravessa cordilheiras…
pra ir brincar de esconde-esconde nos cabelos.
Luciano Martini

sábado, 4 de julho de 2009

Um Sonhador


Entre o impossível e o sonho
subsiste a poesia
essa respiração de dentro
questionando a realidade de fora
no meio de tanto vida amorfa
um lirismo perdido e vivo
uma teimosia, uma resistência, um olhar, um acidente
onde apatia e conformismo é norma
entre tantos entretantos e seres sem tempo
de imaginar um dia melhor


Luciano Martini