segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Labirinto

Desperto de um pensamento longínquo com o cheiro de óleo queimado. É aqui por entre esta estrada tortuosa e o sicômoro da calçada que a vida passa - um filme cuja película já gasta ainda me assombra. O sol e a lua alternam-se iluminando a janela; inspiração e poesia são apenas sinais de fumaça e há muito, sou parte da paisagem emoldurada – quem me dera um eclipse, para desafiar certezas e transpor as coisas do seu lugar. Mas embrenhei-me pelo caminho. Um labirinto de trama bem urdida protege a saída e meu fio de novelo desgastou-se, virou poeira que baila entre raios de luz. Como falar do que desconheço? Não consigo entender! - Sequer, a mim. Aliás, neste tabuleiro de xadrez perdi o jogo e a ilusão, restam-me apenas os peões e uma torre. Fatiguei-me ao tentar salvar o que não tinha salvação. Aquela paisagem na janela é estática. O sol e a lua não! Vivem sua beleza, seus papéis, seus mistérios... Quanto a mim, esta fase de transformação é incômoda, é libertadora, é profunda, mas quase sempre triste e solitária.
E os minotauros espreitam, porém seus semblantes não assustam mais.
Luciano Martini

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Comunhão


Um pequeno poema
é na verdade um convite
para perceber o mundo
através das estrelas
que moram nos meus olhos

Um verso, então
é apenas um doce olhar
que procura comunhão


Luciano Martini

sábado, 19 de setembro de 2009

Fuga Interna


Nesta estranha sala de espera, olhos sutis me espreitam por entre samambaias e revistas. O odor forte de amônia desperta um cenário de hospitais sombrios, onde um choro agonizante invadia corredores e leitos desarrumados. A cidade silencia sufocando sua estridente sinfonia num sussurro tenebroso e fantasmagórico. O palpitar do coração me alerta que não estou só. meus medos e temores vieram para me fazer companhia.
As paredes vazias me contemplam, e onde repousavam quadros e fotografias, restaram marcas de bolor e manchas, desenhando estranhos rostos num muro de imaginação. Fecho meus olhos para escapar desta masmorra de realidade absurda, e na velocidade de um pensamento viajo para meu banco de praça em meu lugar secreto, e por alguns instantes consigo me ver ali sentando, recebendo as carícias de um vento quente que movimenta todo um cenário de encanto e familiaridade.
Em minha visão, eu simplesmente me deixo ficar ali. Todo dia.
Ainda espero aquela visita...



Luciano Martini

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Passantes


Somos sombras passantes
desafiando os séculos
anistiando sustos e sobressaltos
traduzindo no tempo
este absurdo de nós



Luciano Martini

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sem volta

"Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta o conhecimento aumenta a tristeza." Eclesiastes 1:18
Mas qual a minha alternativa?
A ignorância, a irracionalidade, o fanatismo???
Prefiro abraçar a tristeza...
Uma sinfonia triste ainda é melhor que um silêncio amargo.
Que venham os crepúsculos. Belos e tristes.
Luciano Martini

sábado, 12 de setembro de 2009

Fé, certezas e dúvidas.

“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam e a firme convicção de fatos que se não vêem” Se fé é a certeza, então não há lugar para dúvidas na vida do crente? Se formos sinceros teremos que confessar que as dúvidas, tanto quanto a fé, são nossas companheiras na vida cristã. Na verdade os que não têm dúvidas, não são os que têm todas as respostas, mas aqueles que ainda não fizeram todas as perguntas.
O homem de fé pode duvidar, como tantas vezes acontece. Mas é o homem quem duvida, não é a fé que carrega a dúvida. Fé é certeza na medida em que ela se fundamenta na graça de Deus, na intervenção do Senhor na minha vida.
Fé é um dom concedido por Deus, é obra de Deus, não minha. Vai para além de mim.
Mas ao mesmo tempo, a fé, em mim, convive com um mar de incertezas, uma vez que o infinito, para qual ela está orientada, é experimentado por um ser finito. A fé, então, é a certeza de esperanças e a certeza da existência do que não é totalmente apreendido pelos meus sentidos humanos imediatos, seja para perseverar, seja para andar contra tudo, seja para depender totalmente.
Fé é confiar, é depender, é duvidar das dúvidas, é certeza não quanto às respostas, é certeza no esperar, na esperança...
No Evangelho a fé não é uma elaboração intelectual ou filosófica, é uma dádiva concedida em Cristo, que justifica e salva: O justo viverá por fé.
A fé não é em si mesma, mas se projeta para além de si. Nele.
Fé na fé é crença, não é fé. A fé na fé vai bem enquanto o que nos cerca é contornável, é entendível, mas quando deixa de ser, então, tal fé não suporta o embate com a realidade, desfalece ante as circunstâncias.
Por outro lado, visto que a fé é algo que acontece “em nós”, é fácil entendê-la incorretamente como um produto da nossa própria vontade e poder, pensando que temos fé como fruto de nosso esforço. Embora seja correto afirmar que nossa fé é “nossa” fé, no sentido de que ela acontece em nosso íntimo, ela é de fato dom de Deus – Ele é quem produz em nós fé, através da atuação do Espírito Santo e da pregação da Palavra (... a fé vem pelo ouvir...).
Luciano Martini

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Imago Dei

“e vós sereis para mim reino de sacerdotes e uma nação santa.” Êxodo 19. 6
Sacerdote (em hebraico כהן )é a pessoa que estabelece uma ponte entre Deus e os homens. Um reino de sacerdotes – Na LXX a tradução “um sacerdócio real”, e 1Pd 2:9 segue esta tradução, bem como Ap 1:6; 5:10; 20:6 Todo o povo tornar-se-ia sacerdote, assim todos teriam direito de acesso livre a Deus, posteriormente a Reforma ressaltaria “o sacerdócio de todos os crentes”, referindo-se a este assunto.
Israel ia ser uma nação-sacerdote. Não que a nação seria composta por apenas sacerdotes, mas que ela serviria como uma nação sacerdotal. Estaria para ser, pelos projetos de Deus, a intermediária entre Deus e o restante de outras nações, para guiá-los até o Senhor, assim como a função sacerdotal era se por entre o Senhor e seu povo. Era desejo do onipotente que Israel fosse uma nação missionária para o mundo.
Portanto, ao convocar o povo para servir-lhe de sacerdotes, Deus os chama para mostrar ao mundo quem e como Ele é.
Aprouve a Deus se revelar ao mundo através de pessoas.
No primeiro mandamento o Senhor afirma “Eu sou o Senhor seu Deus...” para logo em seguida, no segundo mandamento, proibir a confecção de imagens para o representar (Ex 20, 1-4). Isto, em razão de que, na Antiguidade as pessoas conheciam seus deuses a partir de imagens. Fabricavam esculturas, pinturas e ídolos como representações físicas dos vulgos deuses em que acreditavam. A imagem do ídolo servia para revelar como e quem eram os seus deuses.
O nosso Deus, no entanto, é diferente.
Ele convida pessoas para serem seus sacerdotes, a mostrarem ao mundo como e quem Ele é, através de suas vidas. Não necessita de imagens e esculturas porque Ele usa pessoas para se revelar.
Somos sacerdotes, a graça de Deus em nossas vidas revela ao mundo a imagem de um Deus gracioso.
Um Deus perfeito que se revela através de pessoas imperfeitas.
Se bem que, na verdade somente uma pessoa conseguiu revelar a “expressa imagem” de Deus (Hb 1,3).
Jesus, homem.
Jesus, Deus.
Luciano Martini

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Luz Inacessível

Quanto mais se olha para o Sol, menos se consegue enxergá-lo. Sua intensa luminosidade ofusca nossa limitada visão. Um olhar ininterrupto na direção do Sol pode inclusive causar cegueira. Paradoxalmente o que esconde o Sol é sua própria luz. Pouca luz dificulta a visão, porém, muita luz a torna impossível. Deus é luz, e assim sendo, talvez seja impossível aos olhos humanos visualizá-lo. Nossa mente, assim como nossa visão, é limitada para a plena percepção e compreensão de Deus. Reconhecemos Deus, não em sua luz, mas através daquilo que Ele ilumina, das sombras que produz. Da cruz.
Não entendemos Deus a partir de sua essência, compreendemos Deus a partir da nossa experiência.
Só posso conhecer a Deus quando Ele se torna "meu" Deus, quando Ele me ilumina.
O conhecimento que temos de Deus não vem da nossa percepção, mas sim de Sua revelação. Para vermos o Pai temos que olhar para o Filho. Deus não nos mostra sua glória (como queria Moisés), antes nos convida para vê-lo em sua cruz.
Em Gênesis vemos Deus criando a ordem no contexto do caos. Ele não elimina as trevas para que permaneça a luz, apenas distingue-a. Tal qual no versículo da separação das águas. A porção seca surge num ambiente de águas. A água não é eliminada para que surja a porção seca. Assim o caos é o contexto onde se manifesta a ordem.
As trevas existem como um anteparo da realidade Deus. A criação não pode ser plena diante do Deus pleno, exceto se Ele abrir espaço, se Ele se esconder e nos deixar percebê-lo apenas pelas sombras, isto é, pela fé.
Se Deus se manifestasse absoluto na criação, nada existiria, pois o Absoluto a tudo enche, mas Deus para tornar possível a criação, se esconde, se esvazia. A criação por natureza tem sombras, como um véu que nos protege da luz de Deus. E quem quiser se aproximar dEle é preciso crer...
A partir Dele conseguimos distinguir as trevas da luz e somos chamados para sermos filhos da luz. Chamados a uma existência que denuncia as trevas, que se opõe a elas.
Como a Lua iluminamos o mundo, mas a luz não é nossa, só refletimos a luz que Ele nos empresta.
Luciano Martini

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Vida Criativa


Nas pessoas que clamam ter uma fé inabalada, o farisaísmo e o fanatismo são frequentemente a prova infalível de que a dúvida provavelmente foi reprimida ou de fato ainda está atuando secretamente.
A dúvida não é superada pela repressão, e sim pela coragem.
A coragem não nega que a dúvida está aí; mas ela aceita a dúvida como expressão da finitude humana e se confessa, apesar da dúvida, àquilo que toca incondicionalmente.
A coragem não precisa da segurança de uma convicção inquestionável.
Ela engloba o risco, sem o qual não é possível qualquer vida criativa.


Paul Tillich

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Desvarios


Quisera eu
transpor uma nuvem
com a alma pura,
com a alma terna,
com a alma bela.
E planar sobre o tempo,
num tapete de desvarios,
mergulhado no céu imenso.
Sonhar.
Pairando sobre calmarias
Apartado de tormentas,
Abraçado em gentis quimeras,
Alcançando o infinito
imerso entre estrelas.
E continuar sonhando,
que o dia e a noite juntamente
vestissem o horizonte
salpicando o sonho
de cores ternas,
de cores quentes,
de cores eternas.
E o sonho fosse uma tela.
Bela.



Luciano Martini

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Vislumbres


Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmos recantos de um pensamento pacífico. No vazio de tudo eram lembranças de um mundo deslumbrante. Em silêncio via-as deslizar em rastros de esperança e possibilidades luminosas. Tão suaves que aprisionavam minha atenção. Que melodia, que sinfonia, mas em silêncio na alva unânime!

Um sopro do devaneio que repousa num verso que não foi escrito, somente sentido.

Aquela dança despertava formas familiares, os cavalos, os barcos, as ondas, as montanhas, um sorriso...

Iam as nuvens revelando um novo caminho naquele deserto. Meus pés estavam secos, mas meu olhos viajavam por horizontes de ribeiros verdes.

No imenso prazer de ver um mar transparente, continuo a navegar em céu aberto, o olhar e o sonho.



Luciano Martini