terça-feira, 30 de junho de 2009

Eu tenho um plano


Eu tenho um plano...

Vou mandar fazer um terno laranja e comprar sapatos dourados para festejar a alegria de viver, dançando desajeitadamente até que a minha pele transpire luz e a minha boca profira perfumes.
Vou tatuar em meus olhos a figura de um menino com sua pipa, para que jamais falte o júbilo da inocência em meu olhar.
Vou cruzar esquinas e praças a procura dos seresteiros que cantam ao luar e, no contorno dos dias amarram fitas brancas nas sinaleiras.
Vou criar um sinal secreto para que todos os poetas da vida me reconheçam, e ao cruzarem por mim nas avenidas da cidade, possam acenar com lenços de estrelas.
Vou comprar um relógio que não marque as horas, mas distinga os momentos cruciais do dia, para que eu possa valorizá-los devidamente.
Vou me fingir de morto, mas estarei pronto a renascer, quando uma saudade despertar, ao som de um pôr de sol inesquecível.
Vou me preparar, para que no momento certo eu possa recitar o verso encantado que transforma pedra em sorrisos.
Vou fazer de conta que me perdi no parque, para que possa ser encontrado ao pé daquela paineira que planta flores em meus poemas.
Vou me fazer de desentendido, mas a noite arquitetarei projetos para mudar o mundo.

Eu tenho um plano...




Luciano Martini

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Uma outra estória


Uma outra estória surge em mim
Como o brotar de águas
Ou a queda brusca e mansa
Das cachoeiras mais altas
Uma terna percepção que me toma
Entre vislumbres e domínios
Entre lágrimas e cílios
Entre brisas e varandas
Nas mais densas melodias
Risos e melancolias
Passeiam por entre o pinho
E por mim criam seus ninhos


A vida é outra, mas eu
continuo o mesmo...


Luciano Martini

sábado, 20 de junho de 2009

Canção de Ninar

Dá-me imagens para que eu possa sonhar e, perdoa-me se a luz dos meus olhos não carrega a luminosidade dos crepúsculos que irresponsavelmente tento descrever. Meu encanto por passagens secretas e corredores de biblioteca, vez por outra, me confundem, porém é através deles, que descubro os mais belos jardins de névoas coloridas e os pianos que tocam canções do passado quando a gente fecha os olhos.
Eu amo o outono, mas sou parte do inverno e carrego flores no meu bolso para me lembrar da primavera. Eu canto, mas meu canto é monótono, porque fiquei preso entre dunas de minha meninice e a bela praia de ondas perfeitas, onde surfo todos os dias, quando me deito entre travesseiros e edredons. Eu tentei aprender poesia com um poeta que conheci numa encosta com vista para baía, onde o mar era verde e as pedras azuis.
Eu costumava carregar na mão direita um livro e na mão esquerda um caderno dos mais belos poemas, até que um dia, uni minhas mãos e braços num abraço e, o caderno e o livro se confundiram tornando-se um só.
Eu tenho um banco no parque que divido com mendigos e pássaros.
Todos passam por ele e não percebem o quanto é especial. Pois no dia certo, na hora certa, com a melodia certa e com o aroma certo; um raio de sol o ilumina transformando-o em um portal de brisas medievais.


E a gente sonha outros sonhos...





Luciano Martini

A Volta


O sol
irremediavelmente volta
por trás de castelos sombrios
Tímido brilha
entre neblinas
quase displicente
acorda alegria
um sorrir secreto
por dentro
renasce um dia
letra e música
compõe minha melodia.


Luciano Martini

terça-feira, 16 de junho de 2009

Passado em direção ao Futuro


Por tantas salas tenho passado
quantas coisas tenho escutado
em tantas portas, entrado

Coisas misteriosas e belas,
mas meu maior fascínio,
continuam sendo as janelas...

Luciano Martini

domingo, 14 de junho de 2009

Travessia Junina




A estiagem prolongou-se demais levando meu brinquedo preferido.
O sol poente alimenta e fere os olhos castanhos da inocente fantasia. Lágrimas secas rolam de semblantes serenos e olhos disfarçados. A esperança é uma nuvem d’água, mas essa migrou para um mar revolto, distante...
Aquele sonho está agora aprisionado em solo ressequido, meu olhar suplica um pouco de carinho, mas eu continuo em meu caminho. Meus amigos brincam de esconde-esconde, uns na jardineira engolidora de poesia, enquanto outros, a sobrevida acabou de fechar-lhes os olhos. Na travessia junina uma momentânea alegria me acalma.
Perco-me propositadamente de meus mapas e sigo por um sorriso que brilha como uma manhã nunca vista. O caminho parece diferente, debaixo de uma grande árvore, com galhos de folhas mortas, uma voz sopra sussurros de forma enigmática:


– Voltarás a sonhar... O céu te dará asas... O amanhã não está pronto...




Luciano Martini

quarta-feira, 10 de junho de 2009


"Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre, "


Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Amanhã...


Amanhã, farei das lembranças o meu consolo e minha alegria, e abrirei em laços o meu abraço, até transformar solitários em solidários. Verei com óculos de poesia todas as coisas, para que a minha riqueza, despojada de bens, seja farta em afetos e experiências. Fecharei os olhos para ver melhor e, ao crepúsculo, serei consumido e consumado pelas chamas que ardem no lado avesso do meu ser.


Luciano Martini

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Tudo que este outono ensina


Céu borrado de nostalgia.
No horizonte, uma clareira de azul celeste aconchega num abraço de lã, toda a restante abóbada transbordante de cinza. As árvores enamoradas deste fio de vento que chilreia nas folhas, dançantes, suplicam ternura , deixando-se despir, tiritantes de frio.
Tráfego de vento, sob fios de sol transluzente no amarelo-sangue do folhedo, os ramos enegrecidos emergem, tais braços expostos em sua nudez.
No chão uma laranja barriguda, jaz abandonada no seu amarelo-crepúsculo, a testemunhar a outonal fecundidade, rogando não ser esquecida.
Há estacas abandonadas, despidas de cuidados, e os resquícios acobreados da folhagem, dizem-nos que a terra madorrenta vai repousar do parto das colheitas suavizando-nos a alma de nossa melancolia.
A vida.
Encenada em cânticos de vento no folhedo—sucessão de mistérios e o homem no seu abandono testemunhando o refulgir das estações.
Da terra fecundada , sabemos que reclama uma pausa.
Das floreiras nem sempre rosas. Da vida nem sempre vida.
Esta letargia, nostálgica doçura, em sinfonia de galhos e ventos, culminou ali, num amontoado de folhas esvaídas, para nela inquirirmos da nossa significância no outono da vida.
As folhas não caem em vão!
Evocam a brevidade de nossos dias.
O outono das pinceladas de azul-água, castelos cinzentos no céu e o cantarolar das árvores nuas, imploram-nos um olhar demorado sobre este breve viver.
Por que caem as folhas?

Pela esperança de serem colhidas...



Luciano Martini




Será que realmente as rosas não falam ?
Ou simplesmente, somos nós que não conseguimos ouvir...


Luciano Martini