terça-feira, 27 de maio de 2008

Ando diferente



Ando diferente...
Comecei a perceber
que as flores são dançarinas
ao sentir o seu cheiro verde
exalando poesia.
Embriago-me ao som dos meus pensamentos
espasmódicos de suas ânsias roxas
Piso em espumas de conchas
carregando no meu rastro o sagrado
num ato profano de debruçar-me
sobre a entranha nua de minha alma.

Sou pandorga triste
a espera da ventania.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Eu Escrevi um Poema Triste. Mário Quintana

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Antes da Chuva


Vento minuano de férias passadas
acaricia o entardecer desta tarde cinza
sinto o cheiro de terra molhada
anunciando a chuva que as nuvens escondem.

Respiro a canção da brisa fria
que me traz liberdade e nostalgia
a dança das folhas mudam o meu sorriso
a cidade me abraça.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Meu pessimismo. Ricardo Gondim

Minha tristeza não me abate, não esgarça as velas de meu barco e nem afoga minhas alvoradas. Meus silêncios não atrofiam minha alma; ser introspectivo não me isola de meus amigos. Não me considero doente porque explode um pranto repentino em meu peito, e molho o travesseiro de lágrimas gratuitas.
Carrego uma quietude bem resolvida. Vez por outra, prefiro manter-me taciturno, sombrio. Nesses momentos, escolho as sombras aos holofotes, o ostracismo à festa, o luto à dança. Aquiesço, ando desapontado com a História. Porém, quero mudá-la, não estou conformado. Chego a celebrar meus desencantos. Eles me lembram que não me envenenei de cinismos; desejo calçar meus pés desse realismo cru para espalhar paz e justiça. Cada um deve decidir se acredita em pessimismos esperançosos, eu acredito.
Assim, meio bisonho, desdenho os arquitetos de castelos aéreos. Acredito na liberdade, inclusive anárquica. Para mim, a vida não pode ser contida em redomas utópicas. Repito em meus solilóquios, que condições ideais de temperatura e pressão só acontecem em laboratórios químicos. O Paraíso existe no porvir.
Boicoto recintos religiosos estupidificados por jargões triunfalistas. Sou avesso às tentativas de massificar as pessoas com sonhos dourados. A homogeneização do senso crítico me aborrece. Fico cismado com gente que defende certezas absolutas, esbravejando brutalidades.
Tenho medo de pragmatismos religiosos. Desprezo listas de dez passos para o triunfo e não creio que se deve tentar reduzir qualquer mensagem a cinco leis. Reprovo quem busca enquadrar os comportamentos humanos dentro de padrões previsíveis. Nego a hipótese de se controlar o futuro ou que as pessoas consigam micro gerenciar a vida num mundo sujeito a contingências e na companhia de semelhantes dotados de livre arbítrio. Tudo pode acontecer; quem vive corre riscos.
Envelheço e lentamente vou me distanciando de meus verdes anos ufanistas. Vi demais para sorrir com freqüência. Andei por charcos onde a vida valia muito pouco e hoje caminho com gravidade. Agora, aprendo o valor das lágrimas porque são elas que me mostram o arco-íris.
Soli Deo Gloria.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Sem Barganhas

O que o Primeiro Testamento elucida o Novo escancara: Jesus passeia pelo mundo demolindo a noção essencialmente mágica de favor prestado e retribuição. Deus – explica o Filho do Homem – não distingue méritos e não rebaixa-se a troca de favores, mas “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons”. Seus filhos não devem recorrer a repetitivas fórmulas mágicas em suas orações, “porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes”. Não é o pecado nem o bom comportamento que explicam as desgraças ou as felicidades, porque o mundo não funciona pela lógica simplista e retributiva da magia (”Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem padecido estas coisas?”).
O universo – Jesus explica – funciona pela lógica singular da graça, não pela lógica humana da magia e da retribuição. Esta é, essencialmente, a natureza da boa nova do reino: Deus não pode ser manipulado a fazer o bem que já está disposto a fazer em primeiro lugar.
Paulo Brabo

Ortodoxia

A compaixão dele era natural, quase casual. Os estóicos, antigos e modernos, orgulhavam-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer visão do dia-a-dia, como a visão distante de sua cidade natal. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Solenes super-homens e diplomatas imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve. Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele encobria constantemente por meio de um adrupto silêncio ou um súbito isolamento. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos mostrar quando ele pisou sobre esta nossa terra. Às vezes imagino que era a sua alegria.
G.K. Chesterton

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Seres crepusculares

O crepúsculo e o Outono nos fazem retornar à nossa verdade. Dizem o que somos. Metáforas de nós mesmos, eles nos fazem lembrar que somos seres crepusculares, outonais. Também somos belo e tristes...
Quando o sol está a pino estas idéias não nos perturbam. Tudo parece estar bem. Há muito tempo ainda. As rotinas do trabalho ocultam a nossa verdade. Mas elas não podem impedir nem que a tarde chegue, anunciando a proximidade do Inverno. E eles nos forçam a ter pensamentos diferentes, pensamentos de solidão. São mestres silenciosos. Se prestarmos atenção e ouvirmos o que nos dizem, ficaremos sábios. Porque sabedoria é isto: contemplar o Abismo, sem ser destruído por ele.

Rubem Alves